domingo, 22 de novembro de 2009

CRÍTICA ESTÉTICO-LITERÁTIA - FILME “A VILA”


Críticas Culturais
Na esfera da comunicação, crítica cultural é um comentário sobre determinado tema artístico com o objetivo de transmitir ao leitor uma mensagem informativa, descritiva e avaliativa. As críticas normalmente são feitas por jornalistas ou profissionais da comunicação, que analisam o produto (filmes, livros, álbuns, etc.) e escrevem textos baseados em juízos de valores com cunho valorativo para apresentar ao público.

A crítica cultural de cinema, na maioria das vezes apresenta uma breve resenha sobre o roteiro da obra e opiniões de quem a escreve, auxiliando o espectador na decisão sobre assistir ou não um determinado filme, ou ainda acrescentando pontos de vistas após ter assistido.
Outra forma de criticar uma produção cinematográfica é analisá-la sobre o ponto de vista estético e filosófico, levantando questões sobre como a obra interage com a realidade social, a capacidade de alienar ou promover uma reflexão crítica, os valores e aspectos educativos abordados, e a mensagem que será transmitida à sociedade.

Do ponto de vista de uma obra, é pouco relevante se alguém a aprecia ou não. Independente do gosto pessoal, a obra está lá e o indivíduo só irá aprender alguma coisa com ela caso queira e se disponha a isso. Se ninguém colocar os olhos sobre a obra, ainda assim ela existirá.

“A Vila”
“A Vila” é um filme rico em interpretações que vão além da leitura rasa do que se passa na tela, fornecendo de uma forma quase inócua elementos que ajudam a explicar a forma pela qual o cidadão é manipulado na sociedade. A obra ambienta ainda de forma mais implícita a irreversível característica do ser humano de viver seus problemas independente do lugar, leis e princípios, e apresenta a ignorância vinda do topo da hierarquia em tentar fechar os olhos da sociedade para a realidade vigente.

“A Vila” traz em seu roteiro vidas envoltas em padrões estabelecidos, condições e ameaças constantes, e mentiras supostamente bem intencionadas. Teria o diretor alguma intenção de fazer uma menção à realidade?

Sinopse
O filme se passa no final do século XIX, em um pequeno vilarejo na Pensilvânia aos moldes dos condados americanos de economia rural. O local é envolto por uma densa floresta que o torna totalmente isolado do resto do mundo. Nesse vilarejo, as regras são rigidamente ditadas pelos líderes, que são os habitantes mais velhos, e cumpridas de total consenso e passividade por todos os membros.

Porém, uma das regras impostas pelos governantes intriga alguns moradores jovens: é terminantemente proibido ultrapassar o limite da floresta, pois a mata é habitada por assustadoras criaturas, a quem eles se referem como “aqueles de quem não podemos falar”, que caso sintam-se ameaçados atacam a população do vilarejo. Desse modo, é difundida e passada de geração para geração a crença de que só podem habitar o espaço delimitado da vila, que guarda toda a segurança e pureza necessária para a boa vivência, livrando-os de todo a crueldade e perversidade das grandes sociedades modernas que habitam as cidades.

Entretanto, questionando essa convenção social e buscando descobrir o que existe além do vilarejo, um jovem resolve adentrar a floresta, despertando a fúria das criaturas do mal que atacam a comunidade. Mesmo diante as ameaças dos monstros, e mais uma vez quebrando a regra do isolamento social, outra jovem se vê impelida a atravessar a floresta em busca de ajuda, quando um membro da vila é gravemente ferido.

Crítica do filme
Considerada por muitos críticos uma parábola lírica, “A Vila”
traz um roteiro rico, girando em torno do medo coletivo imposto por líderes sociais, da busca incessante por segurança, e da sujeira na qual a sociedade se encontra, sendo incapaz de voltar à pureza e inocência de tempos passados. Todas essas abordagens temáticas são ainda complementadas e apresentadas sob a visão de Platão, fazendo uma metáfora à parábola Alegoria da Caverna.

Analisando o filme sobre a perspectiva da crítica filosófica, perceberemos que a história, na verdade, nada mais é do que um simulacro do que vivemos na atualidade. Ou seja, a trama se passa nos dias atuais, fantasiada por um roteiro de época. Mas por que nos dias atuais?

O roteirista nada mais quis do que transmitir ao público a nova realidade mundial criada após os acontecimentos do dia 11 de setembro de 2001: os atentados às Torres Gêmeas em Nova York. Ou seja, em um contexto mais amplo, a crítica é feita à America do norte e mais especificamente ao presidente americano Jorge W. Bush. Alguns aspectos criticados:

- Á mentalidade americana dos dias atuais, que vive em um contexto de isolamento e alienação auto imposto. A analogia feita pelo roteirista é percebida pelo fato dos líderes do vilarejo decidirem viver e criar suas gerações em um local isolado do resto do mundo por estarem insatisfeitos com os crimes e a violência que acomete a sociedade contemporânea. Dessa forma, criam uma sociedade própria e irreal, onde as barbáries do mundo real não existem e a vida pode ser levada de forma simples, pura e tranqüila. Para manterem esse estilo de vida entre as gerações, criaram as criaturas do mal que aterrorizam a vila caso alguém ameace ultrapassar os limites da floresta. Esses monstros nada mais são do que fantasias produzidas pelos membros mais experientes da comunidade para manter os jovens presos na vila.

- Ainda nesse contexto, tem-se a crítica à cultura do medo. O presidente americano Bush utiliza desse artefato para se manter na administração, apresentando-se como a solução majoritária de salvação de uma sociedade que se encontra impossibilitada de fugir da violência, uma realidade cada vez mais presente nos Estados Unidos, especialmente após a brutalidade de 11 de setembro. Dessa forma, Bush investe em campanhas de reeleição baseadas no discurso do medo, persuadindo a população a mantê-lo no poder. Uma estratégia semelhante é utilizada pelos governantes da vila para manterem as pessoas longe do mundo real. Eles semeiam entre os indivíduos o perigo de trazerem morte e destruição a toda à população da vila caso um deles ameacem adentrar a floresta, de tal modo que todos respeitam a norma e contentam-se em viver isolados, porém seguros das criaturas do mal.

- Ainda de acordo com a cultura do medo, o roteirista quis enfatizar também a alienação da sociedade. Temendo situação pior do que a vivenciada, a massa silencia e submete-se ao poder que cria as regras visando, na maioria das vezes, não o bem do povo que se cala, e sim os interesses que lhes convém. Da mesma forma que nas sociedades contemporâneas, na vila a inocência anda junto com a ignorância, pois a maioria dos habitantes acata as regras e aceitam condições e conseqüências impostas sem reflexão ou senso critico, deixando-se massacrar por um conformismo pré-determinado e seguido ano após ano, até caracterizar a existência inteira de uma geração.

- A vila traz ainda uma crítica às armas de destruição em massa existentes nos dias de hoje, as quais com um simples apertar de botão podem exterminar uma população inteira. As criaturas do mal existentes na floresta do vilarejo surtem o mesmo efeito nas pessoas, impondo o medo de defrontarem ou questionarem aquela realidade diante a ameaça de medo e terrorismo.

- Um último tema abordado pelo roteirista, que segundo críticos consagrados é inerente do próprio roteirista, é o ressurgimento da esperança em tempos sombrios. M. Night Shyamalan apresenta essa mesma esperança em outras produções, e no filme “A vila” a explicita na criação de uma história de amor entre um jovem que precisa de cuidados médicos da cidade (o mundo real e inalcançável para os membros da vila) e uma jovem cega, que se propõe a atravessar a floresta de criaturas más e mortíferas em busca de ajuda ao seu amado. “O Amor iluminará o caminho...”

Relação com a parábola “Alegoria da Caverna” de Platão
A Alegoria da Caverna, também chamada de Mito da Caverna, é uma parábola (enigma) escrita pelo filósofo Platão, que, na forma de um diálogo metafórico exemplifica como o homem pode se libertar da condição de escuridão em que se aprisiona através da luz da verdade. O mito retrata a existência de um muro alto que separa o mundo externo de uma caverna onde vivem seres humanos que nunca saíram dali e ficam de costas para a entrada, acorrentados, sem poder locomover-se, forçados a olhar somente a parede do fundo da caverna, onde são projetadas sombras que os prisioneiros julgam ser a realidade. Um dos prisioneiros decide abandonar essa condição e avança na direção do muro, enfrenta os obstáculos que encontra e sai da caverna, descobrindo não apenas que as sombras eram feitas por homens como eles, como todo o restante do mundo existente ao redor.

Segundo consta no livro A República, v. II, onde foi publicada a parábola de Platão, o mito da caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo, no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, passar a ver o mundo e a realidade não sob a perspectiva do senso comum, e sim através do conhecimento filosófico, que é racional, sistemático, e que busca a resposta na causa do acontecimento, e não no acaso do momento.

Ao tomar como verdadeira as crenças e superstições passadas pelas pessoas mais velhas da vila, os jovens se limitavam a uma verdade imposta, tornando-se incapazes de ampliar conhecimentos e horizontes por não buscarem uma verdade realmente válida. Ou seja, as novas gerações se apropriavam do senso comum estabelecido na comunidade pelos mais velhos e deixavam de descobrir um mundo mais amplo e real por não questionarem novos conhecimentos, por não protestarem por verdades fundadas na racionalidade e na causalidade.

Ficha Técnica
“A Vila” (BR)
“The Village” (EUA)
2004 ı cor ı 120 min
Gênero: Suspense Duração: 120 min Origem: EUAEstúdio: Touchstone Pictures Direção:
M. Night Shyamalan Roteiro: M. Night Shyamalan Produção: M. Night Shyamalan, Scott Rudin, Sam Mercer, Richard Cook, Nina Jacobson
Elenco: Bryce Dallas Howard, Joaquin Phoenix, Adrien Brody, William Hurt, Sigourney Weaver, Brendan Gleeson, Cherry Jones, Celia Weston, John Christopher, Frank Collision
Por Débora Schmitt

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