terça-feira, 17 de novembro de 2009

Controlando o Remoto


Bianca Oliveira

23:53. Enfadado João liga a televisão. O “Power” já tem o formato do seu dedo gordo e muitas vezes sujo de alguma coisa. Instantaneamente a sala perde o silêncio. 4, 6, 8, 10, 13, chiadeira, 23, beijo, chiadeira. 4, tiro, 8, 10, pastor e um copo d água, chiadeira, 23, risadas maquiavélicas, chiadeira.
As noites são quase sempre as mesmas. Com os seus muito bem adquiridos 150 quiilos, João se acomoda na poltrona nova, espanta o gato e pega o pão com mortadela na mesinha ao lado. As banhas transpiram deixando a camiseta molhada. 4, 6, Jô, chiadeira, jóias brilhosas, chiadeira, pastor falando em outra língua, música insuportável, chiadeira.
O médico recomendara uma dieta, mas João não dava a mínima pra isso. Queria mais é aproveitar a vida. Lembrou-se das vezes que comeu farinha com mamão verde para disfarçar a fome. Mas isso estava lá atrás, quando criança. Agora já era homem feito. 6, beijo do gordo, 10, chiadeira, pastor surtando com um paralítico, 13, 23.
Insatisfeito imaginou-se em uma piscina de coca-cola, acompanhado por cabeças de chocolate e um espaço para milhares de “Mc Lanche Feliz”. 25, chiadeira, risadas, 6, 8, 10, tiro. “Cuidado com esse coração menino”, lembrava de sua velha mãe, “Fica comendo igual porco! Vai morrer de tanto comer porcaria”. Talvez sua mãe estivesse certa, talvez não. Mas se estivesse, pelo menos morreria feliz.
O suor escorria pela testa, costas e entre as banhas. 6, 8, 10, o bandido morreu. “Bosta de mortadela” pensou João, “vou reclamar com o Zé amanhã de manhã”. 23, 25, chiadeira. João sente a fisgada no peito. Sem respirar olha para o gato no canto da sala. Lentamente o controle remoto escorrega pelos seus dedos. O coração acelerou, mas não foi de paixão. Em últimos casos poderia imaginar que sua mãe era vidente.

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